quinta-feira, 21 de julho de 2016

Anjos Existem.

Certo dia um homem carrancudo entrou no ônibus indo pro trabalho e ao sentar no banco, ao lado de um rapaz que viajava todo esparramado, prendeu a alça de sua bolsa. E imediatamente, olhou pro rapaz e desculpou-se.
__Que nada!
Respondeu o rapaz.
Retrucando; mas de bom humor, o homem comentou que estava perplexo pelo fato do ônibus estar vazio naquele horário. E. Sem saber do tamanho do fardo que iriam dividir naquela viagem, iniciaram ali o que poderia ser uma semente pra libertação de muitas outras pessoas relacionadas a vida de cada um deles.
O rapaz, ainda com fone no ouvido, disse que pra ele tanto faz. Tanto o ônibus vazio, quanto cheio. Que ele apenas faz o seu papel. Chega, procura seu canto e pronto, só esperar o momento do seu desembarque. O homem não, disse que sempre espera mais de cada viagem. Apesar de sempre está com sono.
Já completamente a quem da música que servia de pano de fundo em seu fone, o rapaz tomou de assalto os ouvidos daquele homem. Que até seu último momento na cama antes de levantar, pediu à Deus que lhe desse a chance de pelo menos naquele dia, viajar sentado e dormir até o ponto final.
Foram quase duas horas de troca. Intensa. Linda! Uma verdadeira fonte de água viva fluía entre os dois.
Enganasse, quem pensa que ali foram apenas sorrisos e meros desabafos; foram olhos  encharcados, nó na garganta e  algumas décadas empoeiradas de palavras que precisavam ser ditas e ouvidas.
Vez por outra os dois lados se confundiam.
Uma hora a lamentação de não se ter um amigo, um irmão, alguém que se possa confiar. Outrora, a glória de sim, poder gritar as quatro cantos a complexidade da alma humana.
Em alguns momentos, talvez a troca de olhar a qual aqueles dois sujeitos se entregavam poderia dizer muito mais que palavras, mas nem de um lado, nem do outro, elas seriam capazes de revelar o cerne de cada um deles.
Ansiedade, angústia, medo, complexo de inferioridade, soberba, niilismo famíliar. Depressão.
A religião que pesa, machuca e julga. A frustração da alma que procura um bode expiatório. O amor incompreensível. Fé e busca pelo real propósito da vida. Todas as armaduras e artimanhas da vida expostas num jogo de xadrez. Todas as paixões, devaneios e relacionamentos frustrados.
Aqueles dois homens estavam pelo avesso. Literalmente pelo avesso. Não havia necessidade de nome, de identificação. Ninguém, os perguntou quem eles eram, seus nomes, de onde vieram e para onde estavam indo. Eles apenas estavam ali. E estavam prestes a nunca mais se quer ter um contato visual, nem de relance depois de toda aquela conversa. Mas tudo que os dois, simultaneamente poderiam absorver naquele momento era escencial pro resto da vida deles. Foi uma verdadeira catarse.
Me arrisco em dizer que ali talvez estava um grande aprendizado de como realmente devemos estar dispostos a dar e receber enquanto estamos vivos. Estava ali a real forma de existência. A construção de um legado e talvez a restauração de fundamentos abalados pelo senhor tempo. Anjos e demônios bailando sobre a chama ardente da purificação divina.
É difícil ter momentos como este, eu sei. Mas não são impossíveis. Talvez aqueles dois homens buscavam inconscientemente um momento como esse a décadas. Não estariam mais dispostos em sustentar uma ditadura sistemática que insiste em fabricar esteriótipos. De maquiar caráter.
Só precisavam ser eles mesmos.
A viagem terminou. Nenhum abraço. Nenhum contato trocado. Apenas um 'Até Logo!'.
Mas. Algo diferente reinava naquelas duas vidas. Um suspiro. Um alívio. E vida que segue. VIDA VIVA!

2 comentários:

  1. É isso Fox,
    Dar Vida as palavras, trazer para perto de nós, estas inquietações tão Vivas e que pertencem ao cotidiano de tanta gente, mas que para serem percebidas precisam de um pouco de sensibilidade. Parabéns.

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